Algo de impreciso, uma nuvem ao entardecer, imagem capaz de restituir a luz que vai declinando na casa, no corpo, no rosto, até nada mais restar do que um lugar vazio, a memória.
Perdeste. Há quanto tempo não sabes. Algo que sempre te acompanhou, e não é sombra, pois carece de contornos. Algo que te foi destinado: mensagem, quando estavas fora de casa; olhar, ao qual distraído não respondeste; pergunta, feita por essas mãos junto às tuas, fechadas.
Algo para o qual nunca tiveste nome e tempo dentro de ti: passagem de um livro que ainda não leste, pormenor de uma pintura a descobrir; trecho de música por escutar, fala de um filme que não viste?
Não adianta tentares adivinhar. O que perdeste não foi um modo de compreensão do mundo, o seu peso e leveza da retina à película. Se calhar, essa perda aconteceu na época em que finalmente alcançavas aquilo a que os estóicos chamavam serenidade? O método de pelos restantes dias esperar o inferno da doença, sem que o receio da morte transforme a arte num poço.
Aquilo que perdeste, perdeste-o acaso para que um outro o alcançasse, neste momento?
2 comentários:
Tristeza nao tem fim...
felicidade sim ...
Andrey Tarkovsky em Paris
Perdeste. Não sabes o quê.
E procuras.
Algo de impreciso, uma nuvem
ao entardecer, imagem
capaz de restituir a luz que vai declinando
na casa, no corpo, no rosto,
até nada mais restar do que
um lugar vazio,
a memória.
Perdeste. Há quanto tempo
não sabes.
Algo que sempre te acompanhou,
e não é sombra,
pois carece de contornos.
Algo que te foi destinado: mensagem,
quando estavas fora de casa;
olhar, ao qual distraído não respondeste;
pergunta, feita por essas mãos
junto às tuas, fechadas.
Algo para o qual nunca tiveste nome
e tempo dentro de ti:
passagem de um livro que ainda não leste,
pormenor de uma pintura a descobrir;
trecho de música por escutar,
fala de um filme que não viste?
Não adianta tentares adivinhar.
O que perdeste não foi um modo de compreensão
do mundo, o seu peso e leveza
da retina à película.
Se calhar, essa perda aconteceu na época
em que finalmente alcançavas
aquilo a que os estóicos chamavam serenidade?
O método de pelos restantes dias
esperar o inferno da doença,
sem que o receio da morte
transforme a arte num poço.
Aquilo que perdeste,
perdeste-o acaso para que um outro o alcançasse,
neste momento?
Jorge Gomes Miranda, in O Caçador de Tempestades
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